[ CÉLLUS | w_portfolio 5.5 | 2016 ]

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Matéria publicada na revista Design Gráfico [nº 69 |JAN-2003]
p 26-30, na seção Ilustração

CRIAÇÃO DIALÉTICA
por Meire Marin Hernandes

Conheça a arte resultante da união de elementos clássicos e modernos do ilustrador Céllus.

Seus desenhos de formas geométricas e sofisticadamente econômicas se misturam aos seus mantras digitais de tramas, retículas, ícones e fontes, formando um universo todo próprio. Sua palheta de cores oscila entre o quente e o frio, demonstrando um domínio que poucas vezes encontramos. É um artista que tem não apenas o ofício, mas o prazer de desenhar".
Walter Vasconcelos
artista gráfico

Céllus é um ilustrador destacado pela variedade de propostas gráficas que define - ou embaralha - seu estilo. Céllus divide seu trabalho em três vertentes. Conforme a conveniência, explora o traço vetorial. Às vezes, o texto pede uma solução mais gráfica. Quando julga necessário aplicar um toque humorístico, parte para os cartuns. Quando nada disso está adequado, encontra a solução na versão plástica, aberta à exploração de texturas.

Autodidata, atribui a formação em artes gráficas a pesquisas sobre clássicos das artes plásticas. Quando começou a se interessar pelo desenho, Céllus estudou todos os clássicos da pintura, desde os rupestres até os dadaístas. Nos últimos tempos, as influências vieram de Miró, Paul Klee, Saul Steinberg, Robert Rauschenberg e art pop. "É imprescindível a qualquer artista gráfico estudar artes plásticas. O computador ainda não chegou ao lirismo do traço", diz.

"Existe uma frase que já virou chavão: "Computador é uma ferramenta".

Um martelo, uma chave de fenda, um pincel ou uma caneta 0,2 de nanquim também são. Podem ser usados como tudo na vida: para o bem ou para o mal. Os computadores, programas, fontes, filtros foram socializados. No entanto, o que vemos, tanto no exterior como por aqui, é uma velocidade de processadores e bytes que não acompanha a força da criatividade. Mas, felizmente, ainda é fundamental ter desenho e também pensar desenho, e isto o Céllus vem fazendo com grande expressividade. Seu trabalho combina tecnologia e sentimento. Nas suas ilustrações, vemos empolgação, não há espaço para preguiça ou burocracia, seja numa pequena vinheta ou numa página dupla.

Encontro com o desenho

Céllus começou a desenhar quando se mudou de São Paulo para Belo Horizonte, em 1980. Como não conhecia ninguém na nova cidade, mergulhou na leitura de livros e em experimentações artísticas. Um vizinho colecionador das edições da "Status Humor" (revista de cartuns de autores brasileiros e estrangeiros), e o artista gráfico Aroeira foram outros importantes incentivadores para seguir a carreira.

Por volta dos treze anos, Céllus teve seus primeiros desenhos publicados nos jornais de Belo Horizonte, como o "Diário da Tarde". Anos depois, apresentou-se ao editor do Caderno 2 do "O Estado de S.Paulo". Com dezessete anos, foi convidado a ocupar o espaço, em formato de três tiras, do Henfil, que estava hospitalizado. Com a volta de Henfil, 40 dias depois, Céllus passou a desenhar diariamente para o "Estado de S.Paulo", com a tira "Grilos". De 89 a 94, ilustrou todos os outros cadernos desse jornal.

Atualmente a demanda maior vem da Editora Abril, por meio das revistas "Vip", "Exame", "Superinteressante", "Você S&A", "Viagem" e as edições especiais que essas revistas editam.

Manual e digital

A relação entre papel e computador é bem resolvida em seu trabalho. Quando a idéia já está definida mentalmente, vai diretamente ao computador. A partir do momento em que sente dificuldade em achar aquela curva perfeita ou a harmonia de determinado elemento, o computador é trocado pelo lápis e papel. "Partir direto para o computador restringe, limita a criação. É imprescindível o contato com tinta, lápis e muito papel.

Os softwares preferidos são: FreeHand para ilustração vetorial; Photoshop para mesclagem de bitmaps; ferramentas de 3D para criar elementos não encontrados em fotos; softwares de editoração para ver como vai funcionar a ilustração na página (às vezes, Céllus sugere outra diagramação ao editor de arte) e softwares de fontes (é autor de seis fontes). "O grande passo que o computador deu foi facilitar o processo industrial e aumentar o tempo para depurar esteticamente uma ilustração", diz.

Criação e plasticidade

Céllus trabalha de acordo com a linha gráfica e editorial da publicação. "Não estou preso a padrões de finalização e de linguagem. É preciso aprender a ver antes de aprender a desenhar" , diz.

Apesar da praticidade proporcionada pelo diálogo por computador, Céllus não dispensa a conversa pessoal com o editor. "É fundamental o contato humano do ilustrador com a Redação para saber a qual linguagem você deve se adaptar".

Depois da análise da publicação e da leitura do texto, cria um leque de possibilidades. "A ilustração tem que funcionar em função do texto. A partir do texto surgem outros links e insights que enriquecem o briefing".

Dizer o que está no texto, mas não de forma evidente, é a preocupação de Céllus. "Um dos fundamentos da ilustração é chamar o leitor para o texto. É preciso fugir da redundância sem desviar do assunto, mostrar o conteúdo com outra abordagem, suscitar curiosidade".

A passagem por atividades relacionadas ao design -como o layout do site da "Revista da Web"-, foi a oportunidade de comprovar a identificação com a ilustração. "A ilustração está livre de seguir tendências, dá liberdade de usar conceitos das artes plásticas, que o design não dá".

Surpresa e perfeição

A perseguição pela perfeição técnica e estética é constante. "Um dos grandes desafios do artista é achar o equilíbrio entre a espontaneidade e a técnica. Não adianta ter uma técnica maravilhosa se você tem uma idéia ruim e não adianta ter uma idéia maravilhosa se você não tem técnica suficiente para executar aquela idéia de forma satisfatória".

Quando não atinge o resultado desejado, pede um tempo a mais para refazer o trabalho. "Fico muito triste quando vejo que o discurso estético de determinados artistas é igual há 15 anos. Você nota apenas o aperfeiçoamento da técnica. É a mesma coisa que escrever livros usando as mesmas palavras, o mesmo enredo.

Apesar da paixão pela profissão, apenas 2 % de seus trabalhos saíram com o resultado desejado. "É um sofrimento nunca atingir o que se quer. O sofrimento faz parte do exercício do tentar além, da exigência consigo mesmo".

Na busca pelo resultado inusitado, recomenda praticar o jogo dialético. "É necessário trabalhar com o processo dialético da ilustração: o que eu faria aqui e o que eu posso fazer que eu não faria aqui. Unir a primeira idéia à outra idéia que não seria o usual e a partir do entre-choque encontrar uma solução, que é a surpresa. O aspecto da surpresa é fundamental na arte".